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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A torção inesperada na escala nanométrica


Por Andreia Hisi
08/11/2011
A compreensão de como materiais se comportam é crucial para os avanços científicos alcançados no último século, os quais nos permitem um controle antes impensável sobre esses materiais. Na vida cotidiana, vemos o efeito desses desenvolvimentos como, por exemplo, o controle propriedades de finas camadas metálicas, que permitiu a construção de discos rígidos suficientemente pequenos para a geração de celulares modernos. A compreensão dos fenômenos que promovem esse e outros avanços nos mostraram que o comportamento da matéria em escalas nanométricas é fundamentalmente diferente daquele que conhecemos. Recentemente, foi demonstrada a alteração das propriedades mecânicas de um nanofio individual de fosfeto de índio (InP), um semicondutor nanométrico. O trabalho foi realizado em colaboração entre o então aluno de doutorado, Luiz Tizei - orientando de Daniel Ugarte, do Instituto de Física da Unicamp - , o Laboratoire de Physique des Solides, em Paris, e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia, em Campinas. O estudo foi publicado no último dia 4 na Physical Review Letters(107,195503-1), intitulado “Maior torção de Eshelby em nanofios de de wurtzita InP e medição local da torção do cristal”. 

No trabalho, foi visualizado o efeito de um defeito único (uma única imperfeição no cristal, ou seja, um pequeno número de átomos fora de suas posições ideais) sobre o formato de um nanofio individual. O resultado da pesquisa mostra que a teoria elástica macroscópica (que prevê o comportamento de deformação de objetos, como um elástico) não se aplica aos nanofios desse material que tenham menos do que 10 nm de espessura.

A conclusão foi alcançada medindo-se um efeito conhecido como torção de Eshelby. Nele, a presença de uma discordância em parafuso (um defeito no cristal) induz uma torção em um nanofio (que nada mais é do que um pequeno cilindro).  “Esse defeito pode ser visto como uma 'escada' onde, ao darmos a volta em torno de seu centro, subimos um degrau. Em um cristal ocorre o mesmo, ao contornarmos o centro do defeito subimos um plano atômico, ou seja, subimos mais um degrau”, explica Tizei. “O efeito da presença do defeito é que a estrutura cristalina do material é tensionada, criando um torque que torce o objeto. Intuitivamente, o resultado final é semelhante a uma barra de metal torcida (ver a figura ao lado)” completa.

Primeiramente, as propriedades do defeito foram medidas através de uma técnica conhecida como difração de elétrons com feixe convergente, uma técnica que permite a observação de mudanças minuciosas do arranjo atômico em um material. Com o conhecimento obtido sobre o defeito cristalino os pesquisadores previram, usando o modelo de Eshelby, a torção esperada em seus nanofios. A partir de então, a taxa de torção foi medida em diversos nanofios usando microscopia eletrônica de transmissão em varredura, uma técnica que fornece informação sobre a morfologia e cristalografia de um material. Com isso, os pesquisadores foram capazes de medir com grande resolução o comprimento do fio que corresponde a uma torção de 360° (uma volta completa) da sua estrutura.

Com essas informações, a taxa de torção medida e prevista pelo modelo, os pesquisadores puderam concluir que o valor medido em nanofios que apresentam a torção de Eshelby é até duas vezes maior do que o valor previsto. Assim, concluíram que o modelo conhecido até então falha para nanofios com dimensões nanométricas.
O resultado trás à luz mais uma informação sobre o comportamento de materiais na escala nanometétrica. Nesse sentido, abre caminho para o desenvolvimento de novos modelos teóricos que levem em conta o tamanho do objeto em questão. Pode, assim, explicar as taxas de torções observadas e, possivelmente, prever outros fenômenos desconhecidos.


Esquema mostrando o efeito da presença de um defeito individual no interior de um cilindro. À esquerda mostramos um cilindro (com seção transversal hexagonal) sem defeito, sem deformações. Com o defeito, temos à direita o cilindro torcido. O resultado final é equivalente a torcermos uma barra de espuma segurando-a pelas duas extremidades.