Pesquisar este blog

Translate

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Nanotecnologia e religião: pequenos objetos, grandes dilemas

Marcio Antonio Campos

Mais uma dessas coincidências da vida: estou vendo a sexta temporada de Arquivo X em DVD, e em um dos episódios (chamado S.R. 819) o diretor-assistente Skinner é envenenado com o que parece ser um dispositivo nanotecnológico. E ontem, em um site da Northwestern University, nos Estados Unidos, Elizabeth Bahm publicou um artigo sobre a maneira como a religião pode enxergar a nanotecnologia.
Arnaldo Alves/Arquivo Gazeta do Povo / Mais que a realidade, é o potencial da nanotecnologia que desperta questões de ordem ética.
Mais que a realidade, é o potencial da nanotecnologia
que desperta questões de ordem ética.

Resumindo bem resumido, a nanotecnologia é uma área que lida com pesquisa e produção de objetos em escalas absurdamente minúsculas, da ordem de milionésimos de milímetro. As aplicações mais visíveis (se me permitem o trocadilho) da nanotecnologia atualmente, acredito eu, estão no ramo da eletrônica, onde se consegue colocar cada vez mais componentes e mais informação em peças cada vez menores. No entanto, existem muitos outros usos, já em curso ou apenas imaginados, para a nanotecnologia, como a produção de energia e a medicina.

O artigo começa com a seguinte observação: Avanços científicos e crenças religiosas têm entrado em conflito repetidamente nos últimos anos por causa de temas como pesquisas com células-tronco e evolução. À medida que a nanotecnologia ganha espaço nas vidas dos americanos, pesquisadores se perguntam se ela não encontrará oposição semelhante. É uma constatação correta, mas um pouco incompleta.

De fato, esses dois assuntos costumam opor cientistas e religiosos (percebam que eu não escrevi "opor ciência e religião"), mas esses conflitos não são do mesmo tipo. A discussão sobre a evolução gira em torno de fatos. Ou a evolução aconteceu, ou não aconteceu, e isso independe do que acreditemos (ou não) a respeito do assunto. O que os cientistas fazem é tentar desvendar como ocorreram os processos que levaram a natureza e os seres vivos ao estado atual. Para ficarmos no exemplo dos cristãos, a Bíblia não afirma nada a esse respeito de modo claro, e há interpretações que são incompatíveis com a noção de evolução por seleção natural. Mas, se as evidências científicas apontarem para o outro lado, melhor seguir o conselho de São Roberto Bellarmino e admitir que errada está aquela interpretação da Bíblia (a interpretação, não a Bíblia em si), e não a ciência.

Já a discussão sobre células-tronco embrionárias (por que todo mundo se esquece desse detalhe?) gira em torno depráticas, e não de fatos. Os cientistas podem optar por fazer pesquisa com embrião, ou podem escolher não fazer isso. A objeção baseada em religião também é de uma natureza um pouco diferente, porque ela entra no âmbito moral, envolve ações livres do ser humano. No caso da evolução, não há ações humanas envolvidas, e sim uma discussão sobre o que o mundo é, e o que o mundo foi. No caso das células embrionárias, a discussão é sobre o que nós fazemos e o que nós deveríamos fazer.

Quaisquer objeções de ordem religiosa à nanotecnologia serão desse segundo tipo, de ordem moral, relativas aos usos dessa tecnologia. A autora do artigo identifica os dilemas morais usando palavras do professor Dietram Scheufele: Para algumas pessoas, diz ele, a nanotecnologia pode significar controvérsias como biologia sintética, melhoramento humano ou desenvolvimento de armas. Para outras, pode simplesmente representar melhores tacos de golfe ou equipamento médico avançado. O potencial da nanotecnologia levanta o que Scheufele identificou com uma questão crucial: "Fazemos tudo que é possível agora, deveríamos fazer tudo que é possível? Os conflitos entre o filosoficamente e o cientificamente possível vão surgir, porque a nanotecnologia vai estar presente em praticamente todas as áreas de nossas vidas".

Como vemos, a discussão não é se a nanotecnologia vai permitir criar microchips que serão a marca da besta do Apocalipse (acreditem, já ouvi isso por aí), e sim sobre aqueles usos que, embora cientificamente possíveis, levantam críticas do ponto de vista da moralidade. São preocupações da mesma ordem daquelas mencionadas na semana passada com o DNA sintético. Por exemplo, há quem diga que, no longo prazo, a nanotecnologia vai trazer a imortalidade, ou pelo menos um prolongamento extremo da vida (o que me lembra outro episódio da sexta temporada de Arquivo X, o do fotógrafo). Isso seria correto? Não é preciso esperar que as técnicas existam para promover este debate, pois os conceitos em torno dos quais a discussão aconteceria, como a ideia de dignidade humana, já estão aí para serem aplicados.


quarta-feira, 26 de maio de 2010

Looking at nanotech through the lens of religion


BY ELIZABETH BAHM

religion_church

Scientific advances and religious beliefs have clashed repeatedly in recent years over issues such as stem cell research and evolution.  As nanotechnology becomes a greater part of Americans’ daily lives, researchers have asked whether it will face similar opposition. Experts say that the answer lies in finding solutions to the larger challenges of communicating between science and religion.
In 2008, University of Wisconsin researchers found a link between a higher incidence of religious belief and distrust of nanotechnology. They found greater acceptance of the science in Europe countries where religiosity ranked lower compared with a greater distrust among American citizens who reported that religion played a significant role in their lives.
Dietram Scheufele, a Wisconsin professor of life sciences communication and a lead author on the study, originally published in Nature Nanotechnology, said that this research and his continuing work in the field of society and nanotechnology revealed “perceptional filters” that shape how people use scientific information. He said religion can act as one such filter, serving as a lens that shapes how we see information.
“It didn’t necessarily mean that they don’t know about the scientific information, they just choose to interpret it differently than people who are maybe less religious,” said Scheufele.
Nanotechnology faces unique challenges when it comes to public opinion and perception since it is currently making the transition from an abstraction into realities and concrete applications. To some people, he said, nanotechnology might mean controversial areas such as synthetic biology, human enhancement, or weapons development. To others, it may simply represent better golf clubs and advanced medical equipment.
The possibilities of nanotech raise what Scheufele identified as an essential question:  “Do we do everything that’s now possible, should we do everything – those conflicts between the philosophical and the scientifically possible will emerge because nano will infiltrate pretty much every area of our lives.”
Such questions are a common refrain heard by Gayle Woloschak, director of Chicago’s Zygon Center for Religion and Science, and a self-identified “believing scientist” of Eastern Orthodox faith.  A professor of cell and molecular biology at Northwestern University, she said that concerns and questions over “jumping the gun” with the use of nanotech dominate the conversation when she speaks about the field with religious communities.
“They say things like cell phones come out, everybody uses them, and then after we use them we ask, ‘Are they safe?,’ and that’s sort of the fear with nanotechnology,” said Woloschak.
Philip Hefner, retired director of the Zygon Center and professor emeritus of systematic theology at the Lutheran School of Theology in Chicago, said he has observed a “lukewarm attitude towards technology” among church leaders and theologians.  He noted that while many technological advances are taken for granted, like the presence of computer technology in our lives, more cutting-edge advances such as nanotechnology are often singled out as a target of skepticism.
Hefner placed these concerns in deeply seated dualisms in Western culture and religion, which perceive a clear divide between such realms as mind-body, humans-nature or nature-technology.  Though he said that such dualisms are “deeply embedded in our culture,” he added that many theologians are also working to overcome them through dialogue with science.
“For a long time we’ve thought that those dualisms don’t make sense and that we have to look at things differently.  Science is a big factor in showing us that mind and body are not as distinct as we’d like to make them, and that human beings are part of nature, they’re not separate from nature,” he said.
Just as the religious community faces challenges in reorienting its perceptions, experts also suggested that scientists must to the same. Woloschak said that scientific language can be a barrier to understanding complex concepts, and that opportunities for dialogue between religious and scientific communities can help overcome this obstacle.
She also identified fundamentalist perspectives as an issue for the scientific community as well as the religious one. “I think a lot of scientists lump religious people together as a bunch of fundamentalists,” she said, “So it ends up being that there are misconceptions about each other and they do stem a lot from language issues.”
Scheufele said his research has found a high level of public trust in scientists’ ability to correctly and accurately conduct research, but less trust in their ability to navigate the moral implications of applying research. While scientists have often removed themselves from public debates for the sake of objectivity, he suggested this may do more harm than good to the public discourse.
“The key solution,” he said, “will be the willingness of all of us to have conversations that cover concerns that the public has, which might not be scientific in nature but can benefit greatly from input from scientists.”

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Nanorrobô feito de DNA dá os primeiros passos

Redação do Site Inovação Tecnológica - 13/05/2010
O nanorrobô, com um comportamento que pode ser controlado previamente, foi construído com uma técnica chamada origami de DNA.[Imagem: Paul Michelotti]
Robô molecular
Cientistas norte-americanos criaram um robô molecular autônomo, feito com fitas de DNA, que é capaz de se mover, parar e virar ao longo de uma pista também construída com moléculas de DNA.
A miniaturização dos robôs, fazendo-os encolher até a escala molecular, poderá oferecer aos cientistas ferramentas para atuar em nível molecular que trarão os mesmos benefícios que os robôs e a automação trouxeram para a escala macroscópica.
Embora ainda estejam longe de se tornarem práticos, os robôs moleculares poderão ser programados para avaliar o ambiente ao seu redor por meio de sensores, detectando, por exemplo, moléculas no interior das células que indiquem a presença de doenças.

Robô de DNA
Em teoria, esses nanorrobôs poderão ser capazes de tomar uma decisão - decidir se uma célula é cancerosa ou não - e agir com base nessa decisão - descarregar drogas que eliminem células cancerosas, por exemplo.
Embora o conceito seja promissor, há muitos problemas práticos a serem vencidos. O robô molecular agora demonstrado também pode ser chamado de "moléculas que se comportam como robôs". E como programar moléculas para que elas desempenhem tarefas complexas?
"Na robótica normal, o próprio robô contém as informações sobre os comandos, mas com moléculas individuais você não pode guardar essa quantidade de informações. Assim, a ideia é manter as informações sobre os comandos fora do robô," explica o Dr. Nils Walter, da Universidade de Michigan.
Walter é um dos membros da equipe que construiu o nanorrobô de DNA, que inclui ainda cientistas das universidades de Colúmbia, Arizona e Caltech.

Origami de DNA

A trilha diz ao robô molecular por onde andar, onde parar, virar para a esquerda ou para a direita ou parar. [Imagem: Lund et al./Nature]





O nanorrobô, com um comportamento que pode ser controlado previamente, foi construído com uma técnica chamada origami de DNA.

O origami de DNA é uma espécie de estrutura feita com fitas de DNA que se encaixam autonomamente para formar virtualmente qualquer formato ou padrão.

Usando as propriedades de reconhecimento de sequências dos pares de bases, os origamis de DNA são criados a partir de uma longa fita de DNA e uma mistura de diversos tipos de fitas curtas de DNA que se ligam à fita longa no formato desejado por meio de uma espécie de "grampo".

Os cientistas usaram essa técnica para construir uma pista para o seu nanorrobô na forma de um quadrado com apenas 100 nanômetros de lado e uma espessura de 2 nanômetros.

Trilha de miolo de pão

Mas era necessário ainda dizer ao robô por onde ele deve andar. A trilha, que os cientistas chamam de "trilha de miolo de pão", é formada por oligonucleotídeos - moléculas de DNA com uma única fita - que são conectados aos "grampos" que unem o origami original.

É esta trilha que diz ao robô molecular por onde andar, onde parar, virar para a esquerda ou para a direita ou parar. Os "miolos de pão" representam, assim, os comandos que dizem ao robô o que ele deve fazer.

O robô molecular propriamente dito, medindo 4 nanômetros de diâmetro, foi construído a partir de uma proteína chamada estreptavidina, que possui quatro subunidades idênticas, nas quais podem ser construídas as pernas do robô. Cada perna é também uma pequena fita de DNA ligada à proteína por meio de um composto químico chamado biotina.

"É uma aranha molecular de quatro patas," brinca Milan Stojanovic, que foi o inventor desse robô molecular. Até agora, porém, ele não havia sido capaz de fazer suas aranhas moleculares andarem de forma controlada.

Primeiros passos

Os cientistas usaram moléculas de DNA para construir uma pista para o seu nanorrobô na forma de um quadrado com apenas 100 nanômetros de lado e uma espessura de 2 nanômetros. [Imagem: Lund et al./Nature]


Três das pernas do nanorrobô são feitas de DNA enzimático, uma molécula que se liga e corta uma sequência particular de DNA. A quarta perna é uma espécie de "tiro de partida", que mantém o robô conectado à pista até que ele seja liberado para andar.

Depois que é liberado, o robô segue a trilha ligando-se e cortando as fitas de DNA. "Quando ele corta, o produto se dissocia, e a perna começa a procurar pelo próximo substrato," explica Hao Yan, outro membro da equipe. "O robô pára quando ele encontra uma fita de DNA à qual ele se liga mas não consegue cortar."

Teoricamente, o nanorrobô é capaz de dar milhares de passos. Neste primeiro experimento, contudo, ele deu cerca de 50 passos - um grande progresso em relação às tentativas anteriores, que não passaram dos três passos.

O próximo objetivo dos pesquisadores é adicionar um segundo nanorrobô à mesma pista, fazendo com que os dois comuniquem-se um com o outro e com o ambiente. "A chave é aprender como programar comportamentos de alto nível por meio de interações de baixo nível," diz Stojanovic.

Medos dos nanorrobôs

Manter o controle fora do nanorrobô parece ser uma "vacina" segura contra o maior temor levantado contra robôs capazes de manipular a matéria na escala atômica.

Embora pareça ser muito interessante construir objetos úteis manipulando átomos e moléculas, há sempre o risco de que os robôs saiam de controle e comecem a mexer em átomos e moléculas que não deveriam, estragando o que já estava construído.

Hipóteses ficcionais levantam até mesmo a possibilidade, bastante irreal, de que os nanorrobôs poderiam fabricar outros iguais a eles e, no limite, destruir o planeta inteiro.

Vários outros experimentos já demonstraram dispositivos teoricamente úteis utilizando fitas de DNA - ainda que essa utilidade possa estar décadas à frente.

DNA motorizado viabiliza experimentos moleculares autônomos
Andarilho robótico de DNA imita o sistema de transporte das células
Nanomotor molecular é mais rápido do que instrumentos conseguem medir
Motores moleculares de DNA vão impulsionar nanorrobôs

Bibliografia:

Molecular robots guided by prescriptive landscapes
Kyle Lund, Anthony J. Manzo, Nadine Dabby, Nicole Michelotti, Alexander Johnson-Buck, Jeanette Nangreave, Steven Taylor, Renjun Pei, Milan N. Stojanovic, Nils G. Walter, Erik Winfree
Nature
13 May 2010
Vol.: 465, 206-210
DOI: 10.1038/nature09012

Fonte: Inovação Tecnológica