Por: André Luiz Aguiar*
Pulmão de Aço
Uma Vida no Maior
Hospital do Brasil
1a. edição, 2012 |
Terminei de ler um livro recentemente cujo título encontra-se acima referido na chamada, mas que não custa repetir: Pulmão de Aço: Uma vida no maior hospital do Brasil, autora Eliana Zagui.
Além do meu contentamento e incentivo para que você leia o que Eliana tem para nos contar, ressalto algo que parece muitas vezes desapercebido quando nos deparamos com um livro: como este autor escreveu isto?
A pergunta é literal mesmo; de que forma aquelas palavras contidas no livro apresentaram?
E aqui está a maravilha desta espetacular biografia: cada letra, vírgula, acento, palavra foi realizada com a BOCA.
Isto mesmo, Eliana Zagui escreveu seu livro com a BOCA.
O inusitado não advém de um interesse mercadológico ou qualquer coisa semelhante, mas por uma condição física que a acomete desde tenra idade.
Eliana Zagui Fonte: www.apbp.com.br/elianazagui/fotos.htm |
Paulo H.M. |
Atualmente ela escreve, pinta, tecla no computador e colori, tudo com a boca; às vezes a tela de um quadro ou alguns artesanatos, mas muitas vezes dá matizes à nossa vida.
Mesmo "presa" à cama hospitalar, sonha alto, com desejos e aspirações que virão a se concretizar brevemente.
Centro de tratamento respiratório para casos
de pólio do mundo na década de 1950
Fonte: Folha SP:Saiba o que é um pulmão de aço |
A sua condição excepcional é acrescida de uma raridade que a poliomielite lhe vindicou, uma vez que a sua vida já era para ter sido encerrada há anos, haja vista que a doença debilitou sua musculatura, destruindo os neurônios motores e provocando paralisia flácida nos membros inferiores. Assim, ela teve afetado, além dos pés até o pescoço, também o diafragma. O que acabou prejudicando drasticamente sua capacidade respiratória. Teve de passar pelo Pulmão de aço, aparelho que tem a função de expansão da caixa torácica a fim de permitir a entrada do ar, muito usado para tratar insuficiência respiratória severa. Foi criado por Philip Drinker na década de 1920.
O tal Pulmão de aço não surtiu os efeitos esperados em Eliana, a qual teve de viver diariamente num respirador artificial -- traqueostomizada.
Por ser oriunda do interior de São Paulo, da cidade de Guariba, nascida em 23/03/1974, não havia recursos nos hospitais da região, tendo, portanto, que "residir" no HC de São Paulo, pois ele era um dos únicos na época a ter capacidade de tratá-la e dar suporte necessário.
Foi lá no HC que ela passou -- e ainda passa -- a sua vida. Vendo amigos da época chegarem e partirem, vendo enfermeiros, residentes, médicos e demais transeuntes. Alguns marcaram positivamente sua vida, outros não. Muitos deixaram marcas que foram balizando e transformando sua vida . Dentre estas, uma que possivelmente a "adotará" e que fora responsável por um dos passeios que ela pôde fazer para desbravar o mundo fora do hospital.
Todos estes detalhes eu deixo para que você leia diretamente da fonte -- da boca de Eliana, literalmente.
Eliana, nos anos 70, maquiada para a festa junina do hospital e Eliana, hoje, aos 38 anos, após concluir o livro sobre a vida passada numa UTI (Foto: Arquivo pessoal e Belaletra Editora / Divulgação) Fonte: Época |
Uma das coisas que mais marca uma pessoa que fica tanto tempo num leito -- e que fora um dos motivos que me motivou a escrever esse texto e relacioná-lo à nanotecnologia -- são as visitas: de parentes, de amigos, de conhecidos, de amigo de amigos, de famoso, de desconhecidos, etc.
Eliana relata que os pacientes ficam tão suscetíveis que se apegam a qualquer um que os visitem e que demonstre o mínimo de carinho.
E é aqui que reside o percalço, pois os visitantes muitas vezes retornam uma ou duas vezes, sobretudo parentes, mas a maioria os esquece. Eles vem, passam, deixam marcas, criam esperanças, expectativas, anseios, sonhos, mas depois somem, desaparecem.
Numa mesma intensidade de amor oferecido é a saudade que acabam deixando. E aí o sentimento de desamparo, desânimo e depressão avassalam os acamados.
A autora presencia muitos destes ambivalentes sentimentos, todavia, se apega aos que a torna especial e que a faz olhar adiante -- para cima.
A partir deste ponto é que penso na nanotecnologia e correlaciono àqueles que estão nos hospitais, asilos, manicômios, orfanatos e afins e faço o seguinte questionamento: até que ponto a chamada Era Nanotecnológica e suas "ofertas" será capaz de suprir estes desvalidos e esquecidos?
Cada dia mais eu venho publicando no blog os mais variados produtos nanotecnológicos. Na área médica são muitos: nanovacinas; nanocápsulas que carregam medicamentos por meio de uma pílula diretamente ao local da doença; nanotecidos para uso hospitalar; roupas com nanoprata para evitar contaminações; leitos com nanopartículas para facilitar a limpeza e combater as possíveis escaras; bancadas com nano para impedir infecções; e por aí vai...
São centenas e centenas de nanoprodutos no mercado. Pululam as prateleiras aos mil. Prometem curas e milagres à filme de ficção científica. Ensejam expectativas mil e cura das mazelas humanas. Porém, destas ofertas nanotecnológicas quais delas efetivamente chegou para Eliana Zagui e/ou para tantos outros enfermos e excluídos?
Ainda que tenha chegado para o HC de SP os mais modernos engendramentos da nanomedicina -- incluo vacinas, aparelhos, metodologias, técnicas, recursos humanos, nanocápsulas, nanofiltros, nanopratas e outros nanodesenvolvimentos -- quais desdes puderam suplantar as carências de amor nos infindos dias e noites acostados num leito hospitalar?
Costumo dizer que a nanotecnologia poderia ser a primeira desenvolvida no seio do capitalismo e que visasse o social e que desse condições iguais a todos -- de acesso, custos e facilidades --, entretanto, não é o que vemos. Além de não ser todos os que de fato se beneficiarão da Era Nano, qual é a nanotecnologia que poderá acalentar na cama hospitalar em que residem Eliana Zagui, Paulo, Marias e Joões?
Qual nanotecnologia poderá substituir o amor?
Talvez Eliana quisesse trocar a sua condição física atual por uma outra pessoa "normal", ou mesmo que a nanotecnologia curasse as suas enfermidades. Mas creio que ela jamais trocaria o amor recebido por pessoas que a marcaram por essa revolução nanotecnológica. Afinal, nano não ama nem pode amar a ninguém, pois quem os faz são as pessoas.
Pode a nanotecnologia contar histórias para as pequenas Elianas ninarem enquanto esperam a próxima injeção medicamentosa em seus leitos? Pode ela acariciar a mão de uma colega de quarto quando a tristeza aperta o coração? Pode acalmar a alma dos que sozinhos varam as noites sem ter alguém para conversar, rir e chorar? Pode conquistar amigos e torná-los irmãos?
Em síntese: pode a nanotecnologia amar e se lembrar dos desamparados?
Se Eliana Zagui estivesse lendo e pudesse responder, creio que seria negativa a resposta.
Necessitamos de cautela nestes dias onde a ciência quer prometer curas maravilhosas e muitas vezes desejadas. Ela, a ciência, esquece que pessoas vivem e precisam de amor, além de suas engenhosidades.
Dedico este texto a você Eliana Zagui pela persistência, coragem, ousadia e amor com que leva sua vida -- na horizontal. Saiba que seu livro me entusiasmou e inspirou. Creio que para aqueles que tiverem acesso ao seu livro e história não será diferente.
Parabéns e obrigado por sonhar alto, o que possibilitou que seu livro fosse escrito e que muitos saiam das tristezas da vida e passem a amar uns aos outros.
Eliana Zagui Fonte: Folha SP |
* André Luiz Aguiar: advogado formado pela
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR), pesquisador e consultor
em Nanotecnologias e regulamentação