Por Samuel Antenor
Grupo de Fotobiologia e Fotomedicina da USP em Ribeirão Preto testa inovações que utilizam nanomedicamentos com a aplicação de luz sobre tumores (NIH) |
A nanotecnologia, utilizada na medicina para diferentes tratamentos de saúde, tem se tornado indicada para o combate a doenças que vão do câncer de pele ao mal de Parkinson e de Alzheimer, graças ao desenvolvimento de novas técnicas para sua aplicação.
Uma série de pesquisas realizadas pelo Grupo de Fotobiologia e Fotomedicina do Centro de Nanotecnologia e Engenharia Tecidual da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, tem resultado em diferentes possibilidades de tratamento, viáveis técnica e economicamente.
Várias dessas inovações, que utilizam nanomedicamentos em conjunto com a aplicação de luz sobre os tumores, foram apresentadas por Antonio Claudio Tedesco, coordenador das pesquisas, durante o evento “Fronteras de la Ciencia – Brasil y España en los 50 años de la FAPESP.
O simpósio integra as comemorações dos 50 anos da FAPESP e reuniu, de 10 a 14 de dezembro, nas cidades de Salamanca e Madri, pesquisadores do Estado de São Paulo e de diferentes instituições de ensino e pesquisa do país ibérico.
Nas pesquisas apresentadas por Tedesco, destacam-se as que utilizam partículas metálicas nanoestruturadas para a melhoria de diagnósticos feitos por imagens, além da construção de próteses de alta eficiência, parte delas envolvendo células-tronco voltadas para a aplicação na engenharia tecidual, para regeneração de vasos sanguíneos, por exemplo.
“A nanotecnologia, com o desenvolvimento de novos sistemas de veiculação de fármacos, tem permitido que moléculas antes usadas para o tratamento de determinados tipos de patologias possam ser redesenhadas e utilizadas com novas funções”, disse à Agência FAPESP o pesquisador que coordena um Projeto Temático sobre o tema apoiado pela FAPESP.
De acordo com Tedesco, a combinação de fotoprocessos utilizando nanotecnologia à administração de fármacos, de maneira intravenosa ou tópica, é realidade para tratamentos de cânceres de pele, que em 80% dos casos não são melanômicos, ou seja, podem ser tratados por essa terapia. O mesmo tipo de tratamento, no entanto, não se aplica ao melanoma que, por ser uma lesão pigmentada (de cor escura), absorve todos os comprimentos de onda luminosa visível.
“Normalmente, com uma única aplicação, em 98% dos casos a doença desaparece, sem cirurgia e dispensando tratamentos como radioterapia ou cirurgia. O custo desse tratamento é muito baixo, equivalente a R$ 70 a cada três aplicações, o que o torna uma opção viável para ser aplicado nesse tipo de neoplasia”, disse Tedesco.
O material desenvolvido pelo laboratório na USP de Ribeirão Preto está patenteado desde 2002 e abrange, além da molécula, também seu processo de aplicação.
“Desenvolvemos um fármaco clássico nanoestruturado, o ácido aminolivulínico e seus derivados, ambos aprovados pelo FDA [Food and Drug Administration], órgão responsável por sua aprovação nos Estados Unidos. Esse mesmo tipo também é aprovado e utilizado na Europa e Japão”, disse.
Atualmente, já existem fármacos de segunda e terceira geração para esse tipo de aplicação aguardando o uso em fase clínica.
Histórico abrangente
Na área de oncologia, as pesquisas do Centro de Nanotecnologia e Engenharia Tecidual da USP surgiram especificamente com a utilização de fotoprocessos, aliados à nanotecnologia como forma de veicular essas moléculas e provocar sua interação com as células neoplásicas de forma sítio-específica, ou seja, com ação direta sobre o tumor.
“No caso de neoplasias, usamos pigmentos [moléculas naturais ou sintéticas] ativados pela luz visível, que se distribuem por todas as células, garantindo que as células cancerosas possam ter um acúmulo maior dessa molécula, que é o objeto desse tipo de fotoativação. Com a nanotecnologia, a tecnologia farmacêutica passou a contar com vários sistemas que permitem aumentar a especificidade da partícula que carrega o fármaco para a célula neoplásica”, disse Tedesco.
De acordo com o pesquisador, um percentual de células sadias acaba marcado durante o processo, que só funciona terapeuticamente quando há conjunção com a fotoativação luminosa.
“A luz é aplicada após o tempo de biodistribuição do fármaco na lesão, que varia para cada tipo de tumor e molécula usada e desencadeia a ação da molécula, produzindo uma grande quantidade de radicais livres num curto espaço de tempo”, disse.
Esse choque de radicais livres é o que leva, segundo apontam as pesquisas, a uma resposta biológica, que ocorre na chamada fase escura, após a iluminação, que acontece em um tempo muito curto.
Com as novas gerações de moléculas, que se instalam mais rapidamente na lesão, o tempo necessário para a ação do tratamento também está diminuindo. De fato, trata-se de uma série de eventos bioquímicos, fotoquímicos e fotobiológicos que leva, em última instância, à destruição da massa tumoral.
O processo envolve a aplicação da medicação seguida da aplicação de luz exatamente sobre o tumor, para a fotoativação do medicamento. Segundo Tedesco, a técnica é segura, porque mesmo se um tecido saudável absorver parte da molécula veiculada não haverá qualquer alteração, pois a molécula, sem a posterior aplicação de luz, acaba biodegradada.
Em oncologia, a nanotecnologia abriu uma nova frente de veiculação de fármacos, embora, para Tedesco, o uso sistêmico da nanotecnologia aliada a fotoprocessos ainda esteja em fase inicial em novas áreas.
“Estamos iniciando os estudos para aplicações desse procedimento em órgãos como bexiga, próstata e útero, ou seja, em órgãos que permitem a iluminação por cavidade”, disse.
Possibilidades de tratamento
Em sua exposição em Salamanca, outros focos de pesquisa também foram apresentados por Tedesco, como o estudo das doenças do sistema nervoso central, no qual o grupo da USP em Ribeirão Preto está atualmente focado.
“Desenvolvemos um sistema proteico polimérico para veiculação que permeia a barreira hematoencefálica, o que abre novas possibilidades, pois essa barreira é extremamente seletiva. Com esse sistema, há um reconhecimento da proteína e a barreira se abre, permitindo que o fármaco incorporado penetre no cérebro”, disse.
O conhecimento sobre nanotecnologia e fotoativação em oncologia está agora sendo direcionado pelo grupo de pesquisas ao estudo de outras doenças, como Alzheimer e Parkinson.
“Neste momento, buscamos desenvolver novos desenhos nanométricos para fármacos clássicos para o tratamento do mal de Parkinson, em conjunto com a Santa Casa de São Paulo e a Universidade de Brasília, e para o tratamento da epilepsia, em conjunto com a Universidade Federal de São Paulo”, contou Tedesco.
A técnica também está sendo usada para a regeneração de vasos sanguíneos, pois áreas que desenvolvem tumores fazem com que os vasos ao seu redor tornem-se mais porosos.
“Em casos de angiogênese, quando o vaso cresce em direção ao tumor, precisamos desenvolver sistemas nanoestruturados antiangiogênicos para o restauro do vaso. Essas alterações, que debilitam os vasos pelo crescimento do tumor, fazem com que o medicamento usado nos tratamentos por quimioterapia ou fototerapia seja extravasado e não chegue à massa tumoral, daí a necessidade de regeneração dos mesmos”, disse Tedesco.
Além de impedir o crescimento de vasos em direção ao tumor, a técnica permite restaurar os vasos porosos, fazendo com que o medicamento quimioterápico chegue ao tumor com exatidão, além de possibilitar sua remoção cirúrgica de forma mais segura.
“A nanotecnologia funciona na veiculação dos fatores antiangiogênicos (peptídeos e proteínas), que são a mesma classe de moléculas que aportamos no desenvolvimento de sistemas de veiculação de fármacos usados no tratamento de doenças do sistema nervoso central, ou seja, tudo está relativamente interrelacionado”, explicou.
A novidade está na parte da engenharia tecidual. “A partir do momento em que conseguimos entender como a luz visível, em combinação com o fármaco veiculado de forma nanoestruturada, modula a resposta tecidual, podemos fazer com que aquele tecido apresente um processo de cicatrização mais rápido, ou que uma pele implantada em um paciente que sofreu queimadura passe a ter uma integração mais rápida com o tecido que a recebe, que é essa nova linha de fotobiomodulação”, disse Tedesco.
Desse modo, o mesmo fármaco, em doses menores e com diferentes tempos de aplicação da luz, levaria à regeneração do tecido, ou seja, pode-se acelerar o fechamento cicatricial utilizando o mesmo tratamento utilizado para o câncer.
“Estamos entendendo como funciona a fotobiomodulação, porque é um modelo extremamente complexo”, disse Tedesco.
Apesar das novas aplicações, a base da pesquisa continua a mesma: a nanotecnologia aliada ao uso da luz visível e do fármaco fotossensível, em busca de respostas moduladas. Nessa linha de trabalho, a mais recente incursão do grupo de Tedesco é a pesquisa que envolve células-tronco, na qual se busca modular processos de diferenciação celular.
“A nanotecnologia e o fotoprocesso estão se tornando ferramentas para ampliar as possibilidades de tratamento. A ideia agora é discutir cooperações internacionais para avançarmos nessas pesquisas e suas aplicações”, disse Tedesco.
Fonte: Agência Fapesp