Nanopartículas feitas a partir de fungos são testadas com sucesso em tecidos antibacterianos e em ferimentos
DINORAH ERENO
Responsáveis pela decomposição de substâncias orgânicas na natureza e por contaminar alimentos e produtos industrializados, os fungos podem ser encontrados em diversas formas, cores e dimensões, que abrangem desde os cogumelos a formas microscópicas. Presentes em vários processos industriais de fermentação, esses microrganismos também são capazes, por meio de um processo químico mediado por suas enzimas, de produzir nanopartículas de prata biológicas com potencial para tornar tecidos – como lençóis, fronhas e aventais usados em hospitais – com propriedades antibacterianas, para uso como revestimento de azulejos e no tratamento de micoses de unhas e de ferimentos causados pela leishmaniose cutânea.
Desde 2003, os professores Nélson Duran, coordenador do Laboratório de Química Biológica, e Oswaldo Luiz Alves, coordenador do Laboratório de Química do Estado Sólido da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dedicam-se, entre outras linhas de pesquisa, a estudar processos e usos que envolvem esses seres unicelulares. “O efeito das nanopartículas de prata biológicas no tratamento de feridas causadas pela leishmaniose cutânea é muito melhor do que com o antifúngico comercial de referência, como mostra pesquisa realizada com a colaboração da professora Bartira Rossi-Bergmann, do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro”, diz Duran, que também é professor visitante do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC, em Santo André.
Nos testes foram comparados os efeitos do tratamento com nanopartículas de prata obtidas pelos métodos químico e biológico com o antifúngico comercial Anfotericina B. “Nosso sistema, o biológico, é cerca de 300 vezes mais eficiente do que o antifúngico utilizado nos tratamentos convencionais e três vezes mais do que a nanopartícula obtida pelo método químico”, diz Duran. Nos experimentos feitos com
fungos que atacam as unhas, principalmente as dos pés, os resultados também foram bastante promissores. A próxima etapa da pesquisa para as micoses de unhas serão os testes clínicos, que ficarão a cargo de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Unicamp.
Os fungos utilizados são da espécie Fusarium oxysporum, causadora da fusariose, doença que faz a planta murchar e ataca culturas agrícolas. As primeiras cepas foram obtidas do banco de Fusarium do microbiólogo João Lúcio de Azevedo, professor aposentado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba. “Fizemos testes para selecionar as cepas com potencial químico para transformar o íon prata [ganho de elétrons] em prata metálica, processo que resulta na formação das nanopartículas”, diz Alves. Enzimas presentes no fitopatógeno, como a nitrato redutase, são responsáveis por essa transformação química. “Em alguns casos as condições estão presentes no fungo, mas em vez de nanopartículas monodispersas há a formação de grandes agregados de partículas”, relata.
A partir da seleção dos fungos eles são cultivados até atingir o tamanho ideal, depois a biomassa fúngica é incubada em água destilada para extrair do fungo enzimas, proteínas e compostos químicos extracelulares. É feita então uma filtração, para separar a biomassa da parte líquida. Em seguida adiciona-se o nitrato de prata, fase em que ocorre o processo de redução química, com a formação das nanopartículas. Pela técnica de espectroscopia de absorção na região do ultravioleta visível é possível observar a formação da prata metálica.
“A vantagem do método biológico em vez do químico é que o fungo deixa uma parte de suas proteínas sobre a superfície das nanopartículas, o que lhes confere características diferenciadas, a exemplo de maior aderência a tecidos para torná-los antibacterianos.” Os pesquisadores testaram a prata biológica impregnada em tecidos de algodão e poliéster em contato com colônias de bactérias Staphylococcus aureus, presentes em ambientes hospitalares e responsáveis pelas infecções. “Após 30 lavagens, as propriedades antibacterianas do tecido permaneceram pouco alteradas”, diz Alves.
Isolados de manguezaisUm outro estudo feito no Instituto Butantan, coordenado pela professora Ana Olívia de Souza, do Laboratório de Bioquímica e Biofísica, também testa a propriedade antimicrobiana das nanopartículas de prata incorporadas em tecidos. Nesse caso os fungos utilizados são da espécie Aspergillus tubingensis e Bionectria ochroleuca, isolados de manguezais do estado de São Paulo durante um projeto financiado pela FAPESP e coordenado pelo professor Itamar Soares de Melo, da Embrapa Meio Ambiente, com sede em Jaguariúna, do qual Ana Olívia participou.
“Dentre as cepas utilizadas no estudo, 15 fungos mais interessantes do ponto de vista biotecnológico foram selecionados e avaliados no laboratório do Butantan”, diz Ana Olívia, orientada no doutorado pelo professor Duran. Após a triagem inicial, cinco cepas foram escolhidas. A etapa posterior de avaliação da capacidade de formação das nanopartículas e se elas apresentavam atividade antimicrobiana foi desenvolvida com apoio da FAPESP dentro do programa Biota, que estuda a biodiversidade brasileira.
Uma nova seleção resultou na escolha de dois fungos. “Fizemos a caracterização físico-química das nanopartículas obtidas a partir destes fungos para verificar se tinham tamanho uniforme, requisito importante para incorporação da prata em tecidos de algodão e poliéster ou materiais plásticos”, diz Ana Olívia. Para a pesquisadora, além dos tecidos com atividade antimicrobiana para uso hospitalar, um grande mercado para as nanopartículas de prata biológicas são os materiais plásticos para uso doméstico.
Os pesquisadores da Unicamp foram além da preparação das nanopartículas e fizeram um estudo enzimático de fungos selecionados. “Separamos as enzimas e conseguimos construir nanopartículas iguais às fabricadas pelo microrganismo”, diz Duran. O artigo “Mechanistic aspects of biosynthesis of silver nanoparticles by several Fusarium oxysporum strains”, publicado em 13 de julho de 2005 no Journal of Nanobiotechnology e de acesso aberto, contabiliza mais de 30 mil downloads. Eles também estudaram a propriedade antibacteriana da prata, ou seja, como o metal destrói bactérias. A bactéria escolhida foi a Escherichia coli. Com um microscópio eletrônico de transmissão, os pesquisadores observaram quando as nanopartículas de prata começaram a atuar sobre a superfície da bactéria, depois se agruparam ocupando toda a sua volta e por último penetraram no seu interior e produziram a sua morte.
Em outra pesquisa foi avaliada a atividade das nanopartículas biológicas com isolados de enterobactérias – causadoras de infecções no trato urinário e na corrente sanguínea, além de pneumonias – resistentes a antibióticos. “Comprovamos nesse estudo que a prata, mesmo usada isoladamente no tratamento, ou seja, sem antibióticos, funciona muito bem”, diz Duran. As duas pesquisas tiveram a participação dos professores Marcelo Brocchi, do Instituto de Biociências, e Ljubica Tasica, do Instituto de Química, ambos da Unicamp, Simone Picoli, da Universidade Feevale, de Novo Hamburgo (RS), Gerson Nankazato, da Universidade Estadual de Londrina (PR), Priscyla Marcato, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto, e do professor indiano Mahendra Rai, da Universidade de Amravati, que está na Unicamp.
Pioneiros nos estudos das nanopartículas de prata biológicas no Brasil, Duran e Alves iniciaram essa linha de pesquisa na mesma época em que surgiram os primeiros trabalhos na área na Índia. Em vez de fungos, os indianos usam plantas para obtenção da prata, utilizada para combater principalmente pragas na agricultura. Agora os pesquisadores se preparam para o aumento da produção dessas nanopartículas em planta-piloto. Outra novidade no Instituto de Química é a integração dos dois laboratórios – de Química Biológica e do Estado Sólido – em um só, chamado NanoBioss. A proposta de integração foi aprovada em fevereiro pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, como parte do SisNano – sistema de nanotecnologia nacional. “Como laboratório associado, vamos colocar o conhecimento e técnicas que dominamos a serviço da indústria e da academia brasileira”, diz Alves.
Projeto
Utilização de fungos de manguezais na biossíntese de nanopartículas de prata e aplicação na produção de tecidos antimicrobianos (nº 10/50186-5); Modalidade:Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa – Programa Biota; Coord.: Ana Olívia de Souza – Instituto Butantan; Investimento: R$ 248.424,03 (FAPESP).
Utilização de fungos de manguezais na biossíntese de nanopartículas de prata e aplicação na produção de tecidos antimicrobianos (nº 10/50186-5); Modalidade:Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa – Programa Biota; Coord.: Ana Olívia de Souza – Instituto Butantan; Investimento: R$ 248.424,03 (FAPESP).
Artigos científicos
MARCATO, P.D. et al. Biogenic silver nanoparticles: antibacterial and cytotoxicity applied to textile fabrics. Journal of Nano Research. v. 20, p. 69-76. 2012.
RODRIGUES, A.G. et al. Biogenic antimicrobial nanoparticles produced by fungi.Applied Microbiology and Biotechnology. v. 95, p. 1-8. 2012.
MARCATO, P.D. et al. Biogenic silver nanoparticles: antibacterial and cytotoxicity applied to textile fabrics. Journal of Nano Research. v. 20, p. 69-76. 2012.
RODRIGUES, A.G. et al. Biogenic antimicrobial nanoparticles produced by fungi.Applied Microbiology and Biotechnology. v. 95, p. 1-8. 2012.
Fonte: Pesquisa FAPESP