por: Petrus Santa Cruz
Quando em 2005 apresentei a palestra Nanotecnologia e Responsabilidade Social, no V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o canadense Pat Mooney, do grupo ETC, estava presente e distribuía panfletos, traduzidos para o português, com conteúdo falacioso, para induzir a formação de uma opinião pública contrária a pesquisas em nanotecnologia no Brasil. Ao perceber, perguntei “a serviço de quem ele estava agindo”, já que seu país continuaria pesquisas na área e nós passaríamos a ser potenciais compradores, caso interrompêssemos nossas pesquisas prematuramente. A resposta foi desconcertada.
Dez anos após este episódio, estando finalmente o País em sintonia com as ondas de inovação de nações desenvolvidas, corremos o risco da desconstrução de um cenário promissor em C&T&I. Refiro-me ao Projeto de Lei 6.741/2013, do Deputado Sarney Filho, com impacto na pesquisa, inovação e produção em nanotecnologia no Brasil. De forma desastrosa, quer por ignorância (no sentido técnico da palavra), quer por interesses econômicos de terceiros, a legislação proposta pode resultar na involução de uma trajetória promissora.
Durante muito tempo, políticas públicas equivocadas e descontinuidades de ações levaram o Brasil a defasagens tecnológicas, nos caracterizando como exportador de commodities e importador de produtos de alto valor agregado. Por não termos investido no momento certo na microeletrônica (durante a quarta onda de inovação), por exemplo, hoje precisamos exportar 22 toneladas de minério de ferro para importarmos o equivalente a 1 kg de circuitos integrados. Da interrupção de programas estratégicos, destacamos a separação e purificação das Terras-Raras: 50 anos depois, importamos insumos caríssimos, indispensáveis à indústria, cuja matéria prima, encontrada no País, não é aproveitada.
Agora estamos vivendo a sexta onda de inovação, conforme classifica a Harvard Business School, caracterizada pela nanotecnologia, e o Brasil está finalmente em sintonia com a comunidade internacional, graças a esforços de mais de uma década de inédito diálogo entre o Poder Executivo e a sociedade, resultando em condições favoráveis para a organização da comunidade científica em torno do tema, seguido por instrumentos como a Lei Federal de Inovação, induzindo a aproximação da academia com empresas. Em suma, ações articuladas de curto e longo prazo, para um País tecnologicamente mais independente.
Num contexto defasado cronológica e conceitualmente, o Projeto de Lei 6.741 retrocede ao início deste século, quando os britânicos quiseram propor uma trégua no desenvolvimento da nanotecnologia, mas rapidamente a Royal Society se manifestou, convencendo o Governo de que o caminho era inapropriado. Concluiu-se que a legislação utilizada para o controle de produtos utilizando tecnologias convencionais era compatível com produtos de base nanotecnológica: não é pelo fato das novas propriedades passarem a vir da escala das estruturas, no lugar de virem de novas composições, que se necessitava de legislação específica.
Com mais de dez anos de atraso, o Brasil volta a discutir uma legislação defasada inclusive do ponto de vista técnico. Hoje se constatou que as nanotecnologias levam a produtos que, além de inovadores, são obtidos com menos produção de rejeitos, menos gastos de energia, com aplicações exitosas em áreas que incluem energias limpas, monitoramento ambiental e saúde humana – em particular na oncologia, tanto no setor de diagnóstico, quanto no setor de remediação, através de processos e fármacos inovadores. Enquanto isso, em carta aberta, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) aponta o Brasil como o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo – muitos já banidos de outros países pelo risco associado ao desenvolvimento de câncer.
O Projeto de Lei 6.741 vem na contramão, confundindo os leigos pela sucessão de equívocos, como se um novo material obtido pelo controle do tamanho das estruturas precisasse ser controlado por legislação diferente da aplicada a um novo material obtido por mudanças em sua composição química! Será que vamos reproduzir erros, tornando-nos futuros importadores de produtos de base nanotecnológica, vítimas de uma má legislação encobertada por aparentes “boas intenções”?
E fica a pergunta: a quem beneficiaria esta lei?
Petrus Santa Cruz é professor do Departamento de Química Fundamental da UFPE, vice-coordenador da Rede SisNano (MCTI) da UFPE, coordenador da Rede Nanobiotec-Brasil 36 (CAPES)
Fonte: UFPE
Fonte: UFPE