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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Hepatite: Uma bomba relógio prestes a explodir

Dentro de alguns anos, as chances de cura para a hepatite serão de 100%. No entanto, o grande empecilho para acabar com a doença é o desconhecimento da população

Guilherme Rosa
vírus da Hepatite
Brasil tem mais de 1,5 milhão de infectados com o vírus da hepatite.
Desses, só 82.000 foram diagnosticados.
(Thinkstock)
Desde o ano passado, o dia 28 de julho é reconhecido como Dia Mundial do Combate à Hepatite. Instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ele tem por objetivo alertar a população sobre os perigos cada vez mais visíveis da doença, que atinge mais de 500 milhões de pessoas no mundo, e mata 1 milhão por ano. No Brasil, são 1,5 milhão de infectados pela hepatite C, o tipo mais grave da doença. No entanto, o desconhecimento é tanto que somente  82.000 desses pacientes procuraram tratamento médico até agora.
A hepatite C é provocada por um vírus que instala-se no fígado e pode demorar décadas para provocar qualquer tipo de sintoma. Mas, quando a hepatite se manifesta, pode ser na forma de cirrose ou câncer no fígado, potencialmente mortais. “Ela é uma doença traiçoeira e silenciosa. Até se manifestar, os pacientes não sabem que ela existe", diz a médica Maria Lúcia Ferraz, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia.
Desde a década de 90, esforços de prevenção têm diminuído o número de novos casos. A preocupação agora é com o grande número de pacientes que se infectaram nas décadas de 70 e 80, vão começar a manifestar os problemas nos próximos anos e necessitarão de tratamento médico. É uma bomba relógio, prestes a atingir o sistema de saúde brasileiro e mundial – nos EUA, a hepatite já mata mais do que a aids. “Isso acende um alerta. A partir de 2020, vamos ter de lidar com as formas mais graves da doença”, afirma Maria Lúcia.
Ao contrário da aids, a hepatite tem cura. Na última quarta-feira, o SUS colocou à disposição dos pacientes dois novos remédios, o Telaprevir e o Boceprevir. Com o novo tratamento, os médicos conseguem remover o vírus em 90% dos casos. Novas pesquisas devem aumentar as chances de cura para perto de 100% nos próximos quatro anos (veja algumas dessas pesquisas abaixo). Por isso, os pesquisadores dizem ser tão necessário que se informe a população e se diagnostique a doença antes que provoque danos irreparáveis nos fígados dos pacientes.

Quem deve fazer o teste para detecção da Hepatite C:


  1. • Pessoas que receberam transfusão de sangue ou de qualquer derivado de sangue antes de 1993;
  2. • Pessoas que receberam transplante de órgãos ou tecidos, além de doadores de esperma, óvulos e medula óssea
  3. • Doentes renais em hemodiálise
  4. • Pessoas que usam, ou usaram alguma vez, drogas injetáveis ou cocaína inalada
  5. • Indivíduos que usaram medicamentos intravenosos por meio de seringa de vidro nas décadas de 1970 e 1980
  6. • Portadores do vírus HIV
  7. • Filhos de mães contaminadas com a hepatite C
  8. • Pessoas que tenham feito tatuagens ou piercings em locais não vistoriados pela vigilância sanitária;
  1. • Pessoas com parceiros sexuais de longo tempo infectados com hepatite C
  2. • Pessoas com múltiplos parceiros sexuais ou com histórico de doenças sexualmente transmissíveis
  3. • Pessoas com necessidade de diagnóstico diferencial de agressão ao fígado
  1. • Profissionais da área da saúde, após acidente biológico ou exposição percutânea ou das mucosas a sangue contaminado
Desconhecimento - A hepatite pode ser causada por cinco tipos de vírus: A, B, C, D, e E. No Brasil, no entanto quase só há registros dos tipos A, B e C. Destes, o mais grave é o terceiro, responsável por 70% dos casos de hepatite crônica, que danifica o fígado no longo prazo. Pelo menos 40% dos casos de cirrose e 60% dos cânceres primários de fígado são causados pelo vírus da hepatite C. Ele é transmitido principalmente pelo sangue contaminado, mas também existem casos de transmissão pela via sexual.
Até a década de 80 pouco se conhecia sobre a doença, e não existiam meios de evitar que uma transfusão de sangue propagasse o vírus. Por isso, todos que receberam transfusão antes de 1993 devem fazer o teste para saber se estão infectados. (Veja no box quem mais deve fazer o exame) “A maior parte dos doentes foi contaminada por transfusões de sangue dessa época.  Hoje temos um grande avanço na prevenção da doença, e as transfusões não oferecem risco. A maior parte dos novos casos é registrada em usuários de drogas injetáveis”, diz Artur Timerman, médico infectologista do Hospital Albert Einstein.
O grande obstáculo para que a maior parte dos casos seja diagnosticada é o desconhecimento da população. Durante muito tempo, a doença recebeu pouca destaque, inclusive em campanhas governamentais. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Hepatologia mostrou que 29% dos brasileiros não conheciam a Hepatite C. Além disso, somente 51% das pessoas sabiam dizer o que era a doença, e só 5% a citam como uma doença de maior gravidade. Por isso os médicos são unânimes em defender estratégias de conscientização da população – entre elas o Dia Mundial do Combate à Hepatite. Eles dizem que só existe um modo de desarmar essa bomba relógio: o conhecimento.

Avanços na luta contra a hepatite:

Vacina

A vacina contra Hepatite B já existe - ela faz parte do calendário básico de vacinação desde 1998. No entanto, produzir uma vacina contra o tipo C do vírus tem se mostrado muito mais difícil: seu cultivo em laboratório é complexo, e ele sofre muitas mutações.
No começo deste ano, pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, anunciaram os primeiros resultados positivos na busca por esse método de prevenção da doença. Ao invés de se focar no exterior do vírus - que é a parte mais mutante - eles basearam seu estudo em seu interior, mais constante ao longo do tempo. Os pesquisadores retiraram o material genético do vírus da hepatite C e inseriram dentro da “casca” de outro vírus, que foi injetado no sangue de 41 voluntários.
Segundo os pesquisadores, a resposta imunológica provocada pela vacina foi parecida com a registrada nas poucas pessoas que são naturalmente imunes à hepatite C. No entanto, os cientistas dizem que ainda devem demorar muitos anos até que a vacina possa chegar ao mercado. O estudo foi publicado na revista Science Translational Medicine.



Nanotecnologia

No dia 16 de julho, cientistas da Universidade da Flórida anunciaram o desenvolvimento de uma nova nanopartícula capaz de erradicar o vírus da hepatite C em ratos infectados com a doença. A pesquisa foi publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
A nanopartícula continha dois agentes biológicos que ajudavam em sua luta contra a doença. Um deles era uma enzima que destruía o RNA responsável por ajudar o vírus a se reproduzir em células humanas. O outro, um pequeno pedaço de DNA capaz de localizar a doença e enviar a enzima para atacá-la. Nos ratos em que foi testada, a tecnologia consegui acabar com mais de 99% dos vírus.
Muitos testes ainda devem ser feitos até que a técnica esteja disponível para uso em humanos. Principalmente para prevenir que essa mesma nanotecnologia possa atacar partes saudáveis do corpo humano.

Marcadores

Cientistas do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos identificaram vários fatores que podem prever se a infecção do vírus da hepatite C vai progredir de forma rápida para condições mais severas, como a cirrose.  Ao saber a velocidade com que a saúde de um paciente pode se deteriorar, os cientistas podem decidir pelo melhor tratamento.
O estudo foi feito com amostras de sangue coletadas de seis pacientes infectados com o vírus nos anos 70. Os cientistas descobriram algumas diferenças em substâncias encontradas no sangue, principalmente na quantidade de uma proteína chamada MCP-1. Aqueles que tinham grandes quantidades da proteína desenvolveram a doença de modo mais rápido.
Segundo os pesquisadores, no futuro, marcadores no sangue e na DNA dos pacientes vão ajudar os médicos a identificar aqueles com maiores chances de desenvolver os casos graves da doença, e que devem receber os tratamentos mais radicais. O resultado saiu na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.


Fonte: Veja