Por: André Luiz Aguiar*
Parte 1:
Tramitação e situação
Havia no Senado Federal um Projeto de Lei que visava criar um marco regulatório para Nanotecnologia no Brasil
Trata-se do PLS 131 de 2010, de autoria do ex-senador Tião Viana –– agora atual governador do Acre (texto completo do projeto aqui).
Eu já havia comentado no blog NanoLei sobre este projeto de lei do senado (veja aqui e aqui), mas não custa relembrar o que ele objetivava regulamentar.
A ementa do PLS 131/2010 traz o seguinte:
Ementa: Altera o Decreto-Lei nº 986, de 21 de outubro de 1969, que institui normas básicas sobre alimentos, e a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e dá outras providências, para determinar que rótulos, embalagens, etiquetas, bulas e materiais publicitários de produtos elaborados com recurso à nanotecnologia contenham informação sobre esse fato.
Explicação da ementa: Inclusão do art. 22-A no Decreto-Lei nº 986, de 1969, que institui normas básicas sobre alimentos, e alteração do art. 57 da Lei nº 6.360, de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, para determinar que rótulos, embalagens, etiquetas, bulas e materiais publicitários de alimentos, ingredientes alimentares e medicamentos elaborados com recurso à nanotecnologia contenham informação sobre esse fato, por meio de expressões e símbolos a serem definidos em regulamento; vigência em 180 (cento e oitenta) dias após a publicação da lei.
PLS 131/2010_Tramitação de 12/05/2010 a 18/10/2012 |
A seguir tento mostrar o que ocorreu com este PLS 131; confira adiante sua tramitação no Senado.
PLS 131/2010 na CAS
De sua apresentação, em 12/05/2010, até 18/10/2012 não ocorreu muita coisa de relevante.
O PLS 131 corria de um lado para outro no Senado, mais especificadamente na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Ora recebendo ofícios e afins, ora à procura de um relator.
Após esses dois anos decorridos (891 dias) e sem qualquer discussão mais robusta por parte dos congressistas, no dia 18/10/2012 o PLS 131 recebeu um relator para o projeto, senador Cícero Lucena –– integrante da CAS, como titular, desde 26/02/2011.
Decorridos quase cinco meses com o projeto em mãos, em 12/03/2013 o referido senador apresenta o seu relatório com voto pela rejeição do projeto.
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PLS 131/2010_Tramitação em 12/03/2013 |
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"A proposição, que não recebeu emendas, foi distribuída a esta Comissão de Assuntos Sociais (CAS), de onde seguirá para a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), que decidirá sobre a matéria em caráter terminativo.
II – ANÁLISE
Na presente análise, vamos nos ater às questões relacionadas à competência da CAS para opinar sobre proposições que digam respeito a proteção e defesa da saúde; produção, controle e fiscalização de medicamentos; e inspeção e fiscalização de alimentos, conforme determina o inciso II do art. 100 do Regimento Interno do Senado Federal.
Outros aspectos da proposição deverão ser analisados pela CMA, a quem cabe decisão terminativa sobre a matéria.
A nanociência é a área do conhecimento humano que estuda a manipulação da matéria no plano de átomos e moléculas. O vocábulo vem da palavra nanômetro, que equivale à bilionésima parte do metro. Por meio desse conhecimento, a nanotecnologia está criando materiais com propriedades otimizadas e desenvolvendo novos produtos e processos.
As aplicações da nanotecnologia estão em inúmeros setores, desde a biologia até a engenharia, notadamente em processos produtivos de medicamentos, alimentos, saneantes e cosméticos. Por seus relevantes ganhos, o desenvolvimento de novas frentes para a sua aplicação vem ocorrendo de forma acelerada, o que requer o acompanhamento da matéria pelas autoridades sanitárias do País. Nesse sentido, ressalta-se a importância do tema do projeto de lei sob análise.
Por outro lado, há razões que contraindicam a aprovação da proposição.Não há evidências científicas que justifiquem a necessidade de ressalvar o uso da nanotecnologia nos processos produtivos, conforme destaca a própria justificação do projeto. Além disso, existem muitas técnicas diferentes englobadas nessa classificação, o que por si só torna inadequada a generalização da medida imposta pelo projeto de lei.
Existe, também, a possibilidade de a informação quanto ao emprego de nanotecnologia induzir no consumidor − que na maioria dos casos não tem conhecimento técnico sobre o assunto − a percepção de que o produto, de alguma forma, é melhor ou pior do que outros similares, confundindo-o desnecessariamente.
A informação pode, em alguns casos, ser interpretada como uma advertência, mesmo que a nanotecnologia agregue melhoramento do produto. Esse alarmismo pode trazer prejuízos econômicos às empresas que têm investido no aprimoramento de seus produtos mediante o emprego da nanotecnologia. Consequentemente, poderia haver redução nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico nacionais no setor, o que minguaria os propósitos do Programa Nacional de Nanotecnologia, instrumento governamental de fomento nessa área.
Outra razão para não efetivar a medida pretendida pelo PLS em tela advém do fato de que o desenvolvimento de novas tecnologias e o seu emprego na fabricação de produtos alimentícios, farmacêuticos, cosméticos e saneantes constitui um processo em permanente evolução. Assim, não parece haver motivo para destacar o uso da nanotecnologia, seja em detrimento, seja em favorecimento de outras novas tecnologias empregadas na industrialização daqueles produtos.
Finalmente, além de gerar confusão e alarme, o projeto sob análise pode encarecer o preço dos produtos, em decorrência da imposição de maiores exigências burocráticas.
Em virtude dessas razões, entendemos que, inexistindo base científica para a imposição de alertas sobre a utilização da nanotecnologia, a medida proposta pelo PLS nº 131, de 2010, caracteriza intervenção desnecessária sobre a produção de alimentos, medicamentos, saneantes e cosméticos. Ademais, ainda que tal advertência ou informação fosse considerada imprescindível, ela deveria ser regulamentada por meio de norma infralegal, pois é um detalhamento das regras gerais que devem ser observadas na fabricação de produtos sujeitos a vigilância sanitária, estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 986, de 1969, e pelas Leis nos 6.360, de 1976, e 9.782, de 1999.
III – VOTO
Em vista do exposto, votamos pela rejeição do Projeto de Lei do Senado nº 131, de 2010."
Após este Parecer-Relatório ter sido apresentado pelo senador, ele seguiu pronto para a pauta de reunião da CAS, a fim de que pudessem deliberar pela aprovação ou não do relatório.
Incluído na pauta, em 15/03/2013, o PLS 131 aguardou mais cinco dias para que, em reunião extraordinária da CAS, fosse aprovado o Parecer-Relatório do senador Cícero Lucena. Passando constituir parecer contrário ao PLS 131. Ou seja, a CAS entendeu que o projeto não era pertinente, nos moldes do parecer ora apresentado.
Identifico as assinaturas dos seguintes senadores, integrantes da CAS, os quais seguiram o voto do relator; são eles, seus partidos e estados que representam:
1) Angela Portela (PT--Roraima),
3) Cícero Lucena (PSDB--Paraíba),
4) Cyro Miranda (PSDB--Goiás),
5) Eduardo Suplicy (PT--São Paulo),
6) Humberto Costa (PT--Pernambuco),
7) João Durval (PDT--Bahia),
8) Paulo Davim (PV--Rio Grande do Norte),
9) Paulo Paim (PT--Rio Grande do Sul),
10) Vital do Rêgo (PMDB--Paraíba),
11) Waldemir Moka (PMDB--Mato Grosso do Sul),
12) Wellington Dias (PT--Piauí).
PLS 131/2010 na CMA
Em seguida encaminhou-se o projeto para a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) a fim de seguir a tramitação.
Na data de 14/05/2013, após idas e vindas, o mesmo senador Cícero Lucena recebe da CMA a incumbência de relatar o PLS 131 –– já que além de integrante titular na CAS ele também é na CMA, desde 21/02/2013.
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PLS 131/2010_Tramitação de 15/03/2010 a 14/05/2013 |
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Decorrido esse período, em 04/06/2013, o senador apresenta para a CMA o parecer pela rejeição do projeto (vide completo aqui) –– nos mesmos moldes do já apresentado na CAS:
"O PLS nº 131, de 2010, foi distribuído à Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que – em sessão de 20 de maio de 2010 – o rejeitou, e a esta Comissão, em decisão terminativa.
Não foram oferecidas emendas ao projeto de lei.
II – ANÁLISE
Compete a este colegiado pronunciar-se sobre o mérito de matérias atinentes à defesa do consumidor, consoante o disposto no art. 102-A, III, do Regimento Interno do Senado Federal.
Como é do conhecimento desta Comissão, um dos direitos básicos do consumidor é a informação adequada e clara sobre os produtos ofertados, conforme previsto no art. 6º, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Ademais, a oferta e a apresentação de produtos devem assegurar informações corretas, claras, ostensivas e em língua portuguesa sobre os riscos que os produtos apresentam à saúde dos consumidores, além de outros dados, de acordo com o disposto no caput do art. 31 do CDC.
Ressalte-se que a simples informação de que foram utilizados recursos de nanotecnologia durante a fabricação do produto pode induzir o consumidor em erro, porquanto esse dado não é suficiente para informar ao consumidor de forma clara e definitiva acerca dos possíveis riscos ou benefícios advindos do seu consumo.
Em nosso entendimento, o PLS nº 131, de 2010, confunde o consumidor e vai de encontro aos preceitos da norma consumerista.
Cumpre-nos, ainda, mencionar que a Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde, versa sobre esse assunto.
Mais especificamente, nos termos do art. 8º, § 1º, do referido diploma legal, incumbe à Agência a competência para regulamentar, controlar e fiscalizar medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias (inciso I); e alimentos (inciso II). E, segundo o disposto em seu art. 7º, III, cabe à Anvisa estabelecer normas; e à sua Diretoria Colegiada editar normas sobre matérias de competência da Agência (art. 15, III).
Como se percebe, a normatização proposta no PLS nº 131, de 2010, insere-se nas matérias de competência normativa da Anvisa.
Assim sendo, trata-se de matéria cujo disciplinamento, se pertinente, deveria ser feito mediante norma infralegal editada pela Diretoria Colegiada da Anvisa, órgão a quem cabe o papel regulamentador.
Por último, a proposta, se convertida em lei, não concorrerá para o adequado equilíbrio nas relações de consumo nem conferirá maior proteção ao consumidor.
Por essas razões, consideramos que o PLS nº 131, de 2010, não é meritório.
III – VOTO
Isto posto, opinamos pela rejeição do Projeto de Lei do Senado nº 131, de 2010.
PLS 131/2010_Tramitação de 04/06/2013 a 09/07/2013 |
Do dia acima referido até o dia 05/07/2013 o projeto aguardava para ser votado na CMA, tendo sido reagendado a sua deliberação pela aprovação ou não por diversas vezes.
No dia 09/07/2013 há a reunião de caráter terminativo (isto é, aquela tomada por uma comissão, com valor de uma decisão do Senado) na CMA que culminou na votação unânime pela rejeição do PLS 131.
Foram dez senadores que votaram (veja completo aqui).
São eles, seus partidos e estados que representam:
1) Ana Rita (PT--Espírito Santo),
2) Anibal Diniz (PT--Acre),
3) Ataídes Oliveira (PSDB--Tocantins),
5) Flexa Ribeiro (PSDB--Pará),
6) Ivo Cassol (PP--Rondônia),
7) Rodrigo Rollemberg (PSB--Distrito Federal),
8) Sérgio Souza (PMDB--Paraná),
9) Valdir Raupp (PMDB--Rondônia) e
10) Vanessa Grazziotin (PCdoB--Amazonas).
PLS 131/2010 no Arquivo
A partir do dia 10/07/2013 apenas ocorreram trâmites burocráticos e regimentais, com intuito de confirmar a rejeição do PLS 131/2010.
PLS 131/2010_Tramitação de 10/07/2013 a 12/07/2013 |
Conforme o regimento interno do Senado (RISF), em seu artigo 91 e seguintes, há um prazo de cinco dias úteis para que se interponha recurso com intuito de que o Plenário do Senado aprecie e a matéria. Esse prazo expirou em 19/07/2013.
Por fim, no último dia para terminar o 'recesso branco', ocorre movimentação administrativa no dia 31/07/2013 encaminhando o PLS 131 ao Plenário para comunicar o fim do prazo.
No dia seguinte, 01/08/2013, quando da retomada dos trabalhos no Congresso Nacional –– após o recesso branco ––, o Plenário do Senado é avisado pelo seu presidente de que não houve recurso e, portanto, o projeto fora rejeitado.
Finalmente, no dia 05/08/2013 o PLS 131/2010 foi para o arquivo.
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PLS 131/2010_Tramitação de 31/07/2013 a 05/08/2013 |
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Portanto, o Projeto de Lei do Senado nº 131 de 2010 está suprimido e não vai alterar a legislação vigente, nem criará um marco regulatório brasileiro inicial para a Era Nano.
No próximo post eu faço uma análise mais atenta sobre essa rejeição/arquivamento, bem como sobre pontos importantes que foram levantados quando da tramitação desse projeto de lei.
Veja a Parte 2 aqui
*André Luiz Aguiar: advogado formado pela
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR), OAB-PR 60.581,
pesquisador e consultor em
Nanotecnologias e regulamentação
pesquisador e consultor em
Nanotecnologias e regulamentação