José Monserrat Filho *
Como são regulados os pequenos satélites (micros, nano, cube, pico etc.)? Qual é sua definição legal?
Ainda não há respostas a essas perguntas. Talvez elas venham a existir quando os pequenos satélites começarem a gerar problemas e riscos específicos. Mas, por enquanto, não há distinção jurídica entre satélites pequenos ou grandes, pelo menos no nível mundial. Todos são objetos espaciais, segundo a legislação internacional vigente. Só que ainda não há, no Direito Espacial Internacional, uma definição amplamente reconhecida de “objeto espacial”.
Existe apenas a referência idêntica feita nos artigos 1º da Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, de 1972, e da Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, de 1975 (das quais o Brasil é parte). Diz essa referência: “O termo 'objeto espacial' inclui as peças componentes de um objeto espacial e também seu veículo lançador e respectivas peças.”¹
Essa definição “não é clara nem satisfatória”, criticou Isabella Diederiks-Verschoor². A rigor, não estamos diante de uma definição, embora seja correto dizer que de um objeto espacial fazem parte seus componentes, bem como seu veículo lançador e as peças desse veículo. Hoje se admite tranquilamente que um detrito (lixo) espacial feito por seres humanos é um objeto espacial, mas é preciso pôr isso no papel e assinar em baixo. Há que esclarecer o que se entende legalmente por “objeto espacial”. Essa é uma das grandes lacunas do Direito Espacial Internacional – lacuna que tem a mesma idade da Era Espacial, inaugurada pelo Sputnik-1, em 1957, ou seja, 56 anos.
A propósito, para se ter uma ideia mais concreta do problema, vale perguntar: uma estação espacial é um objeto espacial ou um conjunto de objetos espaciais?
Para Bin Cheng, o termo cobre todo tipo de objeto – “satélites, espaçonaves, veículos espaciais, equipamentos, estruturas, estações, instalações e outras construções, inclusive seus componentes, bem como seus veículos lançadores e respectivas partes”3. Quer dizer, tamanho não é documento.
Propostas de definição de “objeto espacial” há muitas – Em 1988, H. A. Baker escreveu, por exemplo: “'Objeto espacial' 1) significa (a) qualquer objeto (i) destinado a ser lançado, que esteja ou não em órbita, ou além; (ii) lançado, que esteja ou não em órbita, ou além; ou (iii) qualquer objeto usado instrumentalmente como meio para lançar qualquer objeto definido no item 1(a); e 2) e inclui (a) qualquer parte oriunda do objeto espacial ou (b) qualquer objeto a bordo do qual se desprenda, seja ejetado, emitida, lançado ou jogado fora, intencionalmente ou não, desde o momento da ignição dos propulsores do primeiro estágio.”4 É complicado, mas com um pequeno esforço, dá para entender.
Por sua vez, o Núcleo de Estudos de Direito Espacial (NEDE), da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), tem trabalhado com o conceito de objeto espacial como "artefato, no todo ou em parte, lançado ou a ser lançado para realizar atividades espaciais, bem como seu veículo lançador e partes componentes, seja qual for o resultado do lançamento e sendo ou não controlado por seu operador”.
Assim, o tamanho, o peso e a missão dos pequenos satélites não importam. Eles são regidos, talqual os grandes satélites, pelo atual sistema jurídico que regula o espaço exterior e as atividades nele exercidas por entidades governamentais e não-governamentais e organizações intergovernamentais. O sistema é incompleto e carente de atualização, mas é o que temos hoje e deve ser respeitado, dentro do compromisso e do espírito de fortalecer o Estado de Direito, sem o qual a situação pode tornar-se ainda mais prejudicial para a paz e a cooperação entre todos os países, grandes e pequenos.
E as resoluções da Assembleia Geral da ONU? – Elas também são consideradas parte do dito sistema, embora não com a mesma força dos tratados.
Entre as resoluções, declarações, princípios e diretrizes sobre questões espaciais aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, estão:
os Princípios Reguladores do Uso pelos Estados de Satélites Artificiais para Transmissão Direta Internacional de Televisão, de 1982;
os Princípios sobre Sensoriamento Remoto, de 1986;
os Princípios Relativos ao Uso de Fontes de Energia Nuclear no Espaço Exterior, de 1992;
a Declaração sobre a Cooperação Internacional na Exploração e Uso do Espaço Exterior em Benefício e no Interesse de todos os Estados, Levando em Especial Consideração as Necessidades dos Países em Desenvolvimento, de 1996;
a Aplicação do Conceito de Estado de Lançamento, de 2004;
a Plataforma das Nações Unidas de Informações Obtidas a partir do Espaço Exterior para a Gestão de Desastres Naturais e a Resposta de Emergência, de 2006.
Também aqui se fala em objetos espaciais e satélites, mas sem diferenciá-los do ponto de vista jurídico.
Com base em tal sistema de princípios, normas e resoluções, obrigatórios ou apenas recomendativos, pode-se afirmar que “todos os direitos e obrigações internacionais dos Estados relativos aos grandes satélites são igualmente relevantes para a conduta das atividades espaciais que utilizam pequenos satélites”, como salienta Ram S. Jakhu, professor do Instituto de Direito Aeronáutico e Espacial da Universidade McGill, que tem sede em Montreal, Canadá.5
Mas essa situação permanecerá assim para sempre? O que se pode esperar de uma futura legislação sobre os pequenos, micros e mini satélites? Seu uso poderá ser restringido de alguma forma?
São os desafios que enfrentaremos em próximo artigo. Até lá.
* Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB), vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial e membro pleno da Academia Internacional de Astronáutica.
Notas e referências:
1) Ver textos das convenções em http://www.sbda.org.br/textos/textos.htm#3. Ver também o livro Direito Espacial Contemporâneo – Responsabilidade Internacional, de Olavo de Oliveira Bittencourt Neto, publicado pela Ed. Juruá, em 2011. Ver ainda Cologne Commentary on Space Law, Volume II, Hobe, Schmidt-Tedd,Schogl (ed); Cologne, Germany: Carl Heymanns Verlag, 2013, pp. 114-115.
2) Diederiks-Verschoor, I. H. Ph, An Introduction to Space Law, Kluwer Law International, 1999, p. 47.
3) Bin Cheng, Studies on International Space Law, Clarendon Press, USA, Oxford, p. 464.
4) Baker, H. A, Liability for Damage Caused in Outer Space by Space Refuse, 12 Ann. Air & Space L. 183 at 192, 1988, citado por Bruce A. Hurwitz in Space Liability for Outer Space Activities, Martinus NijhoffPublichers, 1992, p. 26.
5) Jakhu, Ram S., Pelton, Joseph N., Small Satellites and Their Regulation, SpringerBriefs in Space Development and International Space University (ISU), 2013.