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sábado, 3 de março de 2012

O cientista que sonha mudar o mundo

Stanford R. Ovshinsky criou tecnologias usadas em laptops, celulares e televisores. Agora, ele quer tornar a energia solar barata e acessível a todos 

Lawrence M. Fisher, de  

Stanford R. Ovshinsky.
Ovshinsky cresceu em Ohio, nos Estados Unidos, filho mais velho de uma família de judeus que deixou a Europa em 1905


São Paulo — “Instituto Para Estudos Amorfos” é o que se lê na placa em preto e branco colocada na antiga escola de ensino fundamental no arborizado subúrbio de Detroit, nos Estados Unidos. A frase tem um pouco de humor nerd. Os cientistas e engenheiros trabalhando ali sabem que ela deixa a entender que se trata de um instituto de pesquisa típico do Vale do Silício. Ao mesmo tempo,a placa é séria. É uma lembrança da descoberta sobre materiais amorfos feita há 50 anos por Stanford R. Ovshinsky. Apesar do nome estranho, o achado revolucionou a computação e possibilitou a invenção de produtos como chips de memória que não perdem os dados quando ficam sem energia e telas planas. Ou seja, é a base para a produção de gadgets que fazem parte do nosso dia a dia, como smartphones, laptops e TVs superfinas.

A descoberta de Ovshinsky criou um campo novo na ciência de materiais e seria apenas a primeira de muitas outras.

Apesar de ter completado somente o ensino médio, o inventor já escreveu mais de 300 ensaios científicos, tem mais de 400 patentes em seu nome e recebeu dezenas de graduações honorárias, prêmios e elogios acadêmicos.

Agora, aos 89 anos, criou uma nova empresa, a Ovshinsky Solar, que tem uma meta audaciosa: fazer com que o custo da energia solar seja mais barata do que a produzida com base em carvão.

A preocupação de Ovshinsky com o meio ambiente é antiga. Na década de 1960, muito antes da atual onda verde, ele e sua segunda mulher, Iris, abriram o Laboratório de Conversão Energética em Detroit. Já naquela época os Ovshinskys sonhavam com um mundo livre das guerras e da poluição causada pela dependência dos combustíveis fósseis. Iris tinha a formação acadêmica que faltava a Ovshinsky, incluindo um Ph.D em bioquímica pela Universidade de Boston. Juntos, criaram novidades na geração e no armazenamento de energia e em materiais sintéticos concebidos atomicamente, conhecidos agora como nanotecnologia.

“Há muito tempo escolhi energia e informação como os dois pilares da nossa economia”, diz Ovshinsky. “Se você modifica a equação de energia para não usar mais carvão e evitar as mudanças climáticas, encerra uma era e abre outra totalmente diferente. Sou um ativista, mas arregaço as mangas e faço.”

Ovshinsky cresceu em Ohio, nos Estados Unidos, filho mais velho de uma família de judeus que deixou a Europa em 1905. Seu pai, Benjamin, ganhou a vida catando restos de metal. O primeiro trabalho de Ovshinsky foi em lojas de máquinas e suas primeiras invenções eram de maquinário ferramental. O Benjamin Center Drive, torno mecânico automático que batizou com o nome do pai, foi usado para produzir munição de artilharia para a Guerra da Coreia. Mas Ovshinsky tinha outros planos. Autodidata, lia muito sobre pesquisas em neuropsicologia, cibernética e doenças neurológicas.

Apesar da falta de educação formal, Ovshinsky conseguiu fazer progressos nessas disciplinas da mesma maneira intuitiva que trabalhava com o maquinário ferramental. Seus textos, publicados em jornais científicos, confirmavam sua aptidão. Ao lado do irmão mais novo, Herb, um engenheiro mecânico, criou uma empresa chamada General Automation para pesquisar e desenvolver tecnologias de energia e informação. Juntos, construíram em 1959 um modelo mecânico de uma célula nervosa, uma chave de semicondutor batizada de Ovitron, em um processo pioneiro no uso de nanoestruturas.

Por si só, o Ovitron não tinha nenhuma aplicação prática. Mas, ao desenvolvê-lo, o inventor fez uma descoberta que iria definir sua carreira e transformar o termo “efeito Ovshinsky” em uma frase muito comum em livros de ciência. Durante os trabalhos ele percebeu que certos tipos de vidros finos, conhecidos como materiais amorfos ou desordenados, transformavam-se em semicondutores quando recebiam uma corrente de baixa voltagem.

Foi tão revolucionário na época que as pessoas nos maiores laboratórios de pesquisas do mundo disseram que ele era maluco”, afirma Hellmut Fritzsche, ex-chairman do departamento de física da Universidade de Chicago. 

Em pouco tempo, uma avalanche de físicos, químicos e engenheiros começaram a fazer peregrinações até o modesto laboratório de Ovshinsky. Entre eles estavam os jovens Robert Noyce e Gordon Moore, que planejavam abrir uma empresa para produzir memória para computadores – que se tornaria a Intel.

A descoberta impulsionou a carreira de Ovshinsky. Em 1963, ele apresentou sua primeira patente, que permitiu a criação de um novo tipo de memória para computador. Até então, os PCs usavam memória de acesso dinâmico randômico, ou DRAM. O problema é que os chips DRAM perdiam os dados quando ficavam sem energia. Já a memória de mudança de fase feita pelo inventor registra os dados ao alterar as características físicas do material semicondutor, e aquela mudança se mantém mesmo sem uma corrente elétrica. Graças à invenção de Ovshinsky, o celular não perde a agenda de contatos quando acaba a bateria.


Vinte anos depois, Ovshinsky começou a aplicar a tecnologia de materiais amorfos na produção de energia solar. Na época, as células fotovoltaicas tinham o tamanho de uma unha humana e eram produzidas a partir do silício cristalino, um material muito caro. Com certa desconfiança, Ovshinsky insistiu que materiais fotovoltaicos poderiam ser feitos de silício amorfo depositado em plásticos flexíveis a cada 1,5 quilômetro. Transformando isso em produção em massa, a Energy Conversion Devices passou por uma fase de rápido crescimento. O número de funcionários aumentou de duas dúzias para mais de mil. E o faturamento chegou à casa dos bilhões de dólares.

Apesar do sucesso, Ovshinsky não estava satisfeito. De olho na discussão sobre o aquecimento global e a dependência de produtos de petróleo, abriu em 2011 mais uma empresa: a Ovshinsky Solar. Ela foi fundada com investimento de 3,5 milhões de dólares do seu próprio bolso, e agora procura outros 16 milhões de dólares em investimentos para sair do estágio do conceito para criar uma pequena planta piloto.

Em 2012, vai precisar de mais 350 milhões de dólares. Tanto dinheiro tem como objetivo produzir uma máquina capaz de gerar 1 gigawatt por ano de energia solar, o que é mais do que a produção típica das usinas nucleares e mais de 30 vezes maior do que linhas de produção de qualquer fabricante de produtos fotovoltaicos. “Nossa tecnologia é um avanço de transformação em fotovoltaicos”, afirma Ovshinsky. Os números ajudam a entender a novidade.

Sua pequena fábrica piloto manteve uma taxa de deposição do material semicondutor de mais de 300 angströms por segundo (cada angström corresponde a 0,00000001 centímetro). Hoje, as fábricas mais modernas conseguem algo entre 1 e 5 angströms por segundo. Tal aumento sozinho permitiria a construção de uma usina com capacidade de 1 gigawatt. A Ovshinsky Solar tem hoje oito funcionários. Eles trabalham em um pequeno laboratório sem nome, repleto de instrumentos e protótipos de equipamento para deposição de vapor que eles mesmos criaram.

Um labirinto confuso de aço inoxidável, o ambiente parece uma feira de ciências com esteroides. A empresa tem 14 patentes em avaliação, com mais uma a caminho. Mas, até que elas sejam garantidas, Ovshinsky é discreto. O grande avanço está baseado na invenção de um material amorfo completamente novo – e não na melhoria de algo que ele fez antes.

Se for para fazer alguma coisa nova, você precisa transpor barreiras”, afirma.

Ovshinsky sabe que sua idade já está avançada e estruturou a nova companhia para funcionar sem ele. Mas também está claro que ele não pode trabalhar feliz sem um grupo de pessoas com ideias parecidas e que tentem levar seus conceitos para a frente. 

Nunca fiz invenções pelos prêmios, pelo dinheiro ou pelo poder”, diz Ovshinsky. “Fiz porque precisava ser feito e para ver um mundo melhor e mais bonito. Quando comecei, era um menino. Não pretendo parar agora.”


Fonte: Exame